16 de fevereiro de 2014

Da janela ao forno

Para Bruna, Cristina e Luísa, as protagonistas

Dentre todas as dores e medos, a imaginação é responsável por curar ou, quem sabe, alimentar aquilo que surge dentro de nós. Pois foi num apartamento pequeno que a história aconteceu, num lugar silencioso o bastante para um vulto virar monstro e um rangido se transformar em invasão. Lá, uma filha conversava com a mãe e a outra se entregava ao incessante sabor da música, em solos de guitarra improvisados.

         Ouvia-se falar de um homem pairado ao lado de fora do apartamento, perto o suficiente para invadir, por estarem no tão perigoso segundo andar. Era uma silhueta negra, paralisada, como se analisasse o melhor momento. Quieta, não manifestava som, por saber se entregar ao disfarce e à observação. A menina, que não era boba, dizia: “Mãe, tem um homem ali fora” E conversavam, debatiam, enquanto o olhavam pelo canto da cortina, escondendo-se por entre os tecidos, não querendo revelar que já o tinham reparado.
     Enquanto isso, a outra escutava, mas continuava parada em seu quarto, não muito interessada no que acontecia lá. Vixe, deve ser ladainha, invenção, medo, sei lá. Nessa matemática de irmã mais velha e nova, a caçula acabava tomando a fama de boba e, então, era desacreditada por aquela que se dizia conhecedora de muito mais. Por isso, a outra continuava a tocar, a ouvir a música, não deixando de pescar uma ou outra frase no ar, pois o som insistia em entrar pela fresta da porta ainda aberta. Lá pelas tantas, surge a frase alta o suficiente para se expandir por todo o pequeno apartamento e, até, para os vizinhos.
            “Meu Deus!”
            Duas palavras, uma exclamação e o som de passos rápidos pelos corredores. A mais nova não entendeu nada, ficou sem reação. “O que foi?!” Gritou, sem obter resposta imediata. A mais velha, por pescar conversa aqui e ali, já entendeu tudo. O homem tinha invadido. Pois fechou a porta, se colocou na frente dela, pronta a impedir a entrada do criminoso em seu quarto. Preocupava-se com a guitarra tão valiosa. O coração acelerado. O medo. E a irmã mais nova parada sem entender nada.
            “O pão de queijo!”

            Veio, enfim, a resposta da mãe, enquanto o cheiro de queimado confirmava a falha e o atraso. “Mãe, que susto!” Disseram as duas, enquanto iam para a cozinha, aliviadas. O terror foi tamanho, que nem reclamaram e acabaram por comê-lo. Riram muito. Entretanto, quando foram olhar pela fresta da cortina novamente, o vulto desaparecera. Teria invadido? A irmã mais nova não dormiu e ficou a tomar conta do que poderia acontecer.

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