“Olha, mamãe, o homem está dormindo de dia!”
Debaixo daquele sol quente, a mulher caminhava segurando
a pequena mãozinha da garota inocente. Pois andava rápido e a menina mal
conseguia acompanhar, quase correndo com as pernas tão curtas assim. Mas o
comentário fez com que a mãe desacelerasse, pouco que fosse, o passo e olhasse
para o homem negro, coberto por uma manta velha, dormindo sob aquele sol de 40
graus. Estranhou. As pessoas andavam transpirando, com shorts curtos, roupa de
praia... Ali perto do mar, o calor parecia ainda mais intenso para os que não
podiam se refrescar. Era o caso daquela moça que corria contra o tempo para
levar a filha à escola.
“É, minha filha, ele está dormindo.”
Por mais estranho que fosse, formulou hipóteses: Vai ver
ele não sentia calor, ou estava com febre, ou até mesmo dormia um sono tão
pesado, que nem conseguia sentir a temperatura. Deixou a criança na escola,
pegou o ônibus ali perto e foi embora, esquecendo o fato para trás, e se
concentrando na enxurrada de coisas que tinha para fazer.
“Olha, mamãe, o homem de ontem!”
O dia estava, agora, chuvoso e as pessoas se amontoavam
em baixo de guarda chuvas, atentas para não se molharem com os carros que
passavam despreocupadamente sobre as poças d’água. Com menos gente do que o dia
anterior, o sábado reservava certa quietude, jeito de domingo à tarde. O homem
se encontrava na mesma posição: estático. Ali ao lado, uma quitanda estava
aberta e o dono fumava do lado de fora, enquanto olhava o movimento pequeno do
dia infeliz.
“Ei, esse homem estava aqui ontem.”
“Sim, oras. Ele dorme aqui todas as noites.”
“Você reparou se ele levantou nos últimos dias?”
“Minha querida, eu tenho muito trabalho a fazer. Vou lá
ter tempo para analisar vagabundo?”
Dito isso, apagou o cigarro com o pé e entrou novamente
na loja, embora o local estivesse totalmente vazio e aparentasse não ter
clientes há um bom tempo. A rua ficava cada vez mais deserta na medida em que a
chuva aumentava. O vento começava a ficar forte e as árvores balançavam de um
lado ao outro, anunciando um fim de semana sombrio.
A menina se aproximou do homem e antes que a mãe pudesse
dizer qualquer coisa, pegou o pulso dele e procurou por qualquer respiração.
“Mamãe, ele está parado. Acho que a alma dele foi para
outro lugar...”
A mulher ligou para os responsáveis e as duas seguiram
viagem. A garotinha, tão inocente, sonhou com anjos. A mãe, por outro lado,
pensou na história dele, na forma como nascera, fora criado, se tinha família,
amigos... Foi pensando em tanta coisa, que quando viu já estava preocupada
demais com o passado daquele homem anônimo. Teria sido feliz? Quais momentos
vivera? Quantos anos completara?
A noite foi inquieta, mas a mãe enfim adormeceu. Talvez a
filha tivesse lhe passado alguma energia, porque o sonho que teve foi doce.
Conversou com um anjo chamado Thiago que tinha a pele tão negra e as asas tão
brancas... Era o anjo mais bonito de todo o céu, porque se contrastava com o
azul tão profundo.
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