28 de agosto de 2013

O ar e o mar

Tão inútil e tão incapaz. Fragilidade revelada nessa falta do reagir. Coitadinha dessa menina perdida. Talvez esse pensamento tivesse passado pela cabeça dele, quando abriu o sorriso e a tocou na face. Dormia profundamente, o rosto quente, os olhos fechados, os sonhos tão melhores do que aquele viver louco, o sofrer precoce de quem ainda não conseguia se distanciar de um conto de terror; mas sonhava com as fadas. Doce, doce, doce. Ela vivia pensando no sabor, no amar, no cavalo voador ou no gato listrado do jardim. A menina conseguia, mesmo que não soubessem como, sonhar. Maresia. Dizia a palavra todas as vezes que se aproximava do mar e sentia aquele cheiro de oceano. Vontade de sair nadando, para talvez assim encontrar as sereias muito distantes e misteriosas.
    Pois ele se aproximava, sempre quieto, depois tapava a sua boca e ela abria os olhos, assustada, o pânico de quem vivia um pesadelo tão brutal e obscuro. O medo de quem não sabia como. Como, meu Deus, sair daquela coisa toda? Um absurdo! Poderiam sussurrar os vizinhos, entre cochichos, por saberem de tudo o que acontecia naquela casa abandonada. Mas tinham medo! Como denunciar quando o homem era tão forte, tão poderoso... Viviam numa vila sem proteção. Utilizavam o anonimato como defesa, o calar diante de tanta coisa assim
E ele a despia, rasgava as roupas. A atitude dependia do tamanho da fome. Por vezes era delicado, como se tivesse pena. Em outras, mostrava os dentes vampíricos e dizia. Você gosta da arma do papai? Passava os dedos por entre os lábios da garota, ia descendo o toque, apalpava os seios ainda tão pequeninos, depois ia, a miniatura de gente, a menina que tinha de servir de mulher para um homem tão cruel. A mão imensa, suficiente para sufocá-la caso quisesse. Bastava aprisionar a cabeça pequena entre os dois travesseiros e em questão de poucos minutos, segundos infinitos para o sofrimento dela, estaria inerte, liberta, para sempre imersa no mundo dos sonhos. E assim poderia encontrar a sereia! Talvez até aprendesse a cantar com ela. Quem sabe! Coitadinha da menina que em tão pouco tempo já desejava o sono profundo. Quantas outras crianças nem sabiam o que isso significava? Ela, porém, já entendia a importância da liberdade.
Livre, livre, livre. Ia contando a quantidade de pássaros no céu. Eles iam em direção ao Sul, ao Norte, ela não sabia bem as coordenadas. Mas voavam tão alto... Mamãe, você é um pardal? Perguntou, certa vez, para o vento, que assobiava e assobiava sem dizer nada, mas confortava, Ela não sabia das espécies de pássaros, mas achava o nome bonito. Pardal. Parece até farol, porque ilumina o caminho tão escuro... Estava sozinha, não tinha amigos, os vizinhos fingiam que não a viam, atentos apenas para a possibilidade de fuga. Nesse caso, a pegariam e a levariam de volta, para assim talvez conseguirem um pouco do ouro que o homem tanto tinha.
Mas a menina não desejava a estrada. Caminhar dependia dos pés, muito tradicional. Ela preferia a água ou o vento, por não saber voar ou nadar. Estava ali o grande mistério! Mas um dia criaria coragem. Subiria numa rocha bem alta e saltaria, como Santos Dummont um dia fez com um avião. Ela faria com as suas asas formadas por dedos. Bateria os braços com toda a força do mundo e assim abraçaria o ar para depois cair e afundar no amar.

0 comentários:

Postar um comentário