Tão inútil e tão
incapaz. Fragilidade revelada nessa falta do reagir. Coitadinha dessa menina
perdida. Talvez esse pensamento
tivesse passado pela cabeça dele, quando abriu o sorriso e a tocou na face.
Dormia profundamente, o rosto quente, os olhos fechados, os sonhos tão melhores
do que aquele viver louco, o sofrer precoce de quem ainda não conseguia se distanciar
de um conto de terror; mas sonhava com as fadas. Doce, doce, doce. Ela vivia pensando no sabor, no amar, no cavalo
voador ou no gato listrado do jardim. A menina conseguia, mesmo que não
soubessem como, sonhar. Maresia. Dizia
a palavra todas as vezes que se aproximava do mar e sentia aquele cheiro de
oceano. Vontade de sair nadando, para talvez assim encontrar as sereias muito
distantes e misteriosas.
E ele a despia, rasgava as roupas. A atitude dependia do
tamanho da fome. Por vezes era delicado, como se tivesse pena. Em outras,
mostrava os dentes vampíricos e dizia. Você
gosta da arma do papai? Passava os dedos por entre os lábios da garota, ia
descendo o toque, apalpava os seios ainda tão pequeninos, depois ia, a
miniatura de gente, a menina que tinha de servir de mulher para um homem tão
cruel. A mão imensa, suficiente para sufocá-la caso quisesse. Bastava
aprisionar a cabeça pequena entre os dois travesseiros e em questão de poucos
minutos, segundos infinitos para o sofrimento dela, estaria inerte, liberta,
para sempre imersa no mundo dos sonhos. E assim poderia encontrar a sereia!
Talvez até aprendesse a cantar com ela. Quem sabe! Coitadinha da menina que em
tão pouco tempo já desejava o sono profundo. Quantas outras crianças nem sabiam
o que isso significava? Ela, porém, já entendia a importância da liberdade.
Livre, livre, livre. Ia contando a quantidade de pássaros no céu. Eles iam em
direção ao Sul, ao Norte, ela não sabia bem as coordenadas. Mas voavam tão
alto... Mamãe, você é um pardal? Perguntou,
certa vez, para o vento, que assobiava e assobiava sem dizer nada, mas
confortava, Ela não sabia das espécies de pássaros, mas achava o nome bonito. Pardal. Parece até farol, porque ilumina
o caminho tão escuro... Estava sozinha, não tinha amigos, os vizinhos fingiam
que não a viam, atentos apenas para a possibilidade de fuga. Nesse caso, a
pegariam e a levariam de volta, para assim talvez conseguirem um pouco do ouro
que o homem tanto tinha.
Mas a menina não desejava a estrada. Caminhar dependia
dos pés, muito tradicional. Ela preferia a água ou o vento, por não saber voar
ou nadar. Estava ali o grande mistério! Mas um dia criaria coragem. Subiria
numa rocha bem alta e saltaria, como Santos Dummont um dia fez com um avião.
Ela faria com as suas asas formadas por dedos. Bateria os braços com toda a
força do mundo e assim abraçaria o ar para depois cair e afundar no amar.
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