Eu queria. O ponto interrompeu a frase, enquanto os lábios não se
esbarravam, e tudo se resumia aos toques. Essa vontade de sentir.
Mas você
consegue?
O jeito
como os braços ficam rígidos, a boca se abre e os olhos se fecham. Ignoram-se.
Eu consigo
sentir repulsa. Vontade de prazer que não vinha... E onde ele estava? Nenhum
deles sabia. O afeto desaparecera no ar, devia ter saído voando para um lugar
aconchegante. Aquele quarto tinha cheiro de roupa suja. Tempo corrido. Erosão
sentimental, sei lá. Um desgaste que não parece acabar nunca.
Deitaram-se
lado a lado. O ofegar do outro como desculpa para o não falar. Esse refúgio
mudo que não protegia ninguém. O calar espelhado no vento, inspirado na
ausência do dizer. Calar que só sussurra ondas. E o que elas revelam? O
abandono de ambos. Passos que se afastam sem fazer barulho, até que a distância
só se mostra no além, quando as mãos não se tocam e se estranham. O íntimo tão
desconhecido assim.
E ali em
baixo, um menino sonhava com família e felicidade. Eles não sonham mais. Dormem
pesados, esmagando um ao outro com a presença. Vontade de distância não
revelada, repulsa que surge dessa necessidade de abandono. Mas não podem.
A
incapacidade está naquela responsabilidade não dita, nesse medo da vida que
criavam. Cadê o viver deles? Estava todo intrínseco no menino adormecido.
Sentimento que explode, ódio que cresce.
Os dois,
nus, sentem de repente vergonha do corpo já tão visto. Perda da entrega. Mãos
que percorrem a própria pele e só. Deleite que surge nele, no explorar de si
para si, na iminência de um prazer substituto. Cobrem-se e se viram em
direções opostas.
Eles
queriam. O ponto interrompe a frase, enquanto os olhos se fecham em um sono
profundo. O abrigo de um conviver tão pesado assim. Mas não sonham. Acordam
continuando tudo o que passou, sem a menor dose de esperança.
Você
consegue sentir?
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