25 de junho de 2013

Dançar transparente

        Ela desperta de um sono intenso, desses em que quedas nos fazem dar chutes no ar, ou que o medo penetra o inconsciente, com o pesadelo que chega no inverno. Ah, mas o abrir dos olhos lhe trouxe a surpresa. Parecia que não fazia isso há muito. Talvez tivesse dormido demais. O relógio parado lhe deu a certeza. Despertara quando não devia. Depois do apito, dos compromissos, além da hora. 
          Liga o computador e tem um susto. Até então, calma; agora, um pouco confusa, até que pensa estar num sonho dentro do sonho. Seria possível assim? Surpreende-se quando ele entra quarto adentro, senta-se sobre ela e começa a digitar um email, resolver compromissos. Ela grita, cutuca, tudo em vão. Ignora-a ou não a vê. O olhar cansado, envolto pelo computador tão claro e um corpo exausto.
           Concentra-se. Dança para chamar o olhar dele, numa atração que sempre foi dos dois e só. Um ritmo frenético, o movimentar que vem de dentro. A paixão revelada na entrega do corpo, no balançar de mãos, no girar das pernas. Junta-se ao vento, produz energia de luz quando os passos ficam tão bonitos assim.
            Ele a sente. Desperto, vê no que era transparente um vulto parecido com um anjo. Não diz nada, nunca foram de trocar palavras. Preferiam essa vontade de dança que não acabava nunca. Levanta-a, ela flutua. Tenta tocá-la, trazê-la para si, mas foge. Encontram-se, esbarram-se, vão indo ao ritmo da música que tocava neles. Uma melodia calma, o respirar tão próximo dele levando-a para um pouco mais longe, quando o limite físico não os aproxima, mas afasta.  As asas saem, ameaçam levá-la para longe quando nenhum dos dois quer. Ele tenta trazê-la, mas ela já voa,  vai para longe. Despedem-se ao ouvir os últimos acordes que vão deixando eco, na esperança de perdurarem mais. Mas acaba. E os olhos cansados dele voltam, quando a saudade é tão difícil assim.

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