A novidade deu o que falar depois daquela Reunião
Geral. O fato é que os mortos estavam depressivos, como os deuses andavam
percebendo. Sem vontade de partir para a outra vida, encontravam-se muito
apegados à antiga. Decididos, os todo-poderosos resolveram lançar uma campanha.
Cada uma das almas poderia voltar quando bem entendesse à Terra para passar um
só dia. Mas atenção: Nada de pratos quebrados ou qualquer outro tipo de
intervenção física. A autorização estava no ato de observar apenas. E ai
daqueles que desobedecessem a ordem. Com certeza sofreriam, os deus não
tardaram a garantir.
Alberto, o adolescente que estava no
purgatório fazia mais ou menos vinte anos, desceu e não demorou a perceber que
os seus amigos estavam muito bem. Um deles já tinha uma família, inclusive
casara-se com a sua ex-namorada, uma perfeita traição. Outro se tornou o chefe
de uma empresa importante, realizando todos os seus sonhos. A mãe enlouqueceu,
não aguentou o desgosto da perda do filho. Já o pai, coitado, entregou-se aos
jogos e à bebida. Agora vivia no parque da cidade jogando cartas, todo mal
vestido.
E a Neide, a dona apaixonada pelo
seu viúvo marido, encontrou-o se consolando com várias raparigas. A cada dia
uma aparecia à sua porta. E como estava bem cuidado! Malhava todos os dias,
comia bem e isso tudo só para continuar a sua tão importante vida sexual.
Nenhuma foto nos porta retratos. As memórias tornaram-se vazias na vida daquele
sujeito.
E por fim veio o Rodrigo, o rapaz
que morrera de aids e até hoje não se esquecia do seu grande amor, o Felipe.
Chegou à sua casa e não havia ninguém. Uma série de cartas se acumulava embaixo
de sua porta. Abriu-as e não demorou a descobrir que o rapaz se mudara para Los
Angeles. Conseguira um papel como ator.
O fato é que essas visitas só
serviram para deprimir ainda mais às pobres almas perdidas. Os deuses ficaram
desesperados. Havia um déficit de vidas na Terra e várias crianças estavam para
nascer. Nós precisamos casar esses mortos com os fetos, dizia o mais
desesperado, responsável pelo setor administrativo. E o psicólogo, bem, o pobre
não tinha tempo para apresentar uma nova teoria. Atendia aos desesperados de
segunda a segunda, 24 horas por dia. Corria o risco de também se tornar um
depressivo.
Os deuses então bateram o martelo. “É
o fim. Eles não veem razão para viver. Decretamos estado de calamidade.” A
população mundial não tardaria a ficar com maioria idosa. O problema europeu se
estendia, mas por ausência de almas. Era um absurdo!
Culparam uns aos outros, enquanto o
purgatório enxia e nenhuma daquelas almas se propunha a descer. Não sei como resolver
o problema, o psicólogo admitiu. Então chamem o Freud! Mas o gênio foi mais
esperto. Conseguiu uma forma de se matar quando já estava morto. As suas novas
descobertas psicológicas foram demais e não conseguiu aguentar.
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