22 de outubro de 2012

O tempo do Nordeste


            Noutro dia desses estava tomando banho de mar. A Praia do Forte enchia-se de turistas, e eu ficava à espreita, quase um hipopótamo boiando com a cabeça de fora. Ouvia as conversas animadas, com boca de siri, rindo por dentro e continuando ali, na mesma posição. A água quente estava boa demais. Boiei e boiei até que fechei os olhos e a minha consciência ficou meio dormindo meio acordada. Podia sentir o ar quente. O sol pelando na nuca. Uma moleza toda... E pensei... pensei nos tempos remotos lá de 1800, quando Salvador era diferente e a região, mais importante. Agora a gente só via falar de pobreza e seca pelas bandas nordestinas. Mas já teve prosperidade, se teve!

            Imaginei então uma grande festa. O sol nesses dias nem estava tão forte assim, mas para os portugueses era uma loucura! Feirantes pararam o que faziam, os cavalos se recusaram a andar para assistir ao acontecido e crianças cochichavam curiosas. Ao longe, embarcações enormes chegavam. Eram tantas! E o sol foi ficando mais forte conforme a secura aumentava. Essa estrela sempre foi camarada e nunca nos abandonou. A lua também gostava de nós, tanto que anoitecia mais cedo...
            Desceram. O Conde do Ponte, nosso governador, adiantou-se para beijar a mão das damas que se vestiam pomposas, de um jeito que ninguém jamais vira. Todos mais pareciam seres de outro planeta. Lá da baixa da égua. Chiquérrimas e tudo! O Regente falou naquele português de Portugal todo insuportável, e o Conde ficou mais barreado com tudo, sem saber muito bem o que fazer. Ia dizendo o quanto a metrópole era importante. “Como Salvador cresceu com a ajuda dos senhores!” Só ia falando ladainhas, tentando tapear. Foi nesse dia que o Brasil aprendeu política.
            Uma carrada de gente ia ao delírio. Músicas eram cantadas e instrumentos tocados. Todos queriam mostrar um pouco mais do nosso Nordeste. Atrair aos portugueses pela beleza natural e cultural do Brasil. Tinham mesmo era esperança de que a capital não se mudasse para o Rio. Era a última chance. E por ser a última, faziam tudo com ainda mais energia. “Meu príncipe regente, não saias daqui. Cá ficamos chorando por Deus e por ti...!”
            Mas o homem tratou logo de ir embora, deixando toda a música parada e as lágrimas nos olhos de todos. Era o fim dos tempos de glória de Salvador. O sol ficou tão forte, que esquentou tanto, até não aguentarmos mais. Ainda era amigo, mas desses que a gente tem um pouco de medo, porque de vez em quando inventa de dar umas alfinetadas, sabe? E aí, de tempos em tempos, nós e essa estrela nos recordamos da época do Império, lá em 1800, quando tudo era diferente e o Nordeste tratava de se destacar.
            Ah, podem dizer o que for. Mas essa praia, esse mar... Passa tempo, cortam dinheiro e a beleza continua igual. Se tiver que escolher entre o nosso litoral e o do Rio de Janeiro... Vixe! Não precisa nem perguntar. Vai ver foi por isso que o Regente foi embora rápido. Era pra não ter perigo de perder a hora da embarcação.

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