Noutro
dia desses estava tomando banho de mar. A Praia do Forte enchia-se de turistas,
e eu ficava à espreita, quase um hipopótamo boiando com a cabeça de fora. Ouvia
as conversas animadas, com boca de siri, rindo por dentro e continuando ali, na
mesma posição. A água quente estava boa demais. Boiei e boiei até que fechei os
olhos e a minha consciência ficou meio dormindo meio acordada. Podia sentir o
ar quente. O sol pelando na nuca. Uma moleza toda... E pensei... pensei nos tempos
remotos lá de 1800, quando Salvador era diferente e a região, mais importante.
Agora a gente só via falar de pobreza e seca pelas bandas nordestinas. Mas já
teve prosperidade, se teve!
Imaginei então uma grande festa. O
sol nesses dias nem estava tão forte assim, mas para os portugueses era uma
loucura! Feirantes pararam o que faziam, os cavalos se recusaram a andar para assistir
ao acontecido e crianças cochichavam curiosas. Ao longe, embarcações enormes
chegavam. Eram tantas! E o sol foi ficando mais forte conforme a secura
aumentava. Essa estrela sempre foi camarada e nunca nos abandonou. A lua também
gostava de nós, tanto que anoitecia mais cedo...
Desceram. O Conde do Ponte, nosso governador,
adiantou-se para beijar a mão das damas que se vestiam pomposas, de um jeito
que ninguém jamais vira. Todos mais pareciam seres de outro planeta. Lá da
baixa da égua. Chiquérrimas e tudo! O Regente falou naquele português de
Portugal todo insuportável, e o Conde ficou mais barreado com tudo, sem saber muito
bem o que fazer. Ia dizendo o quanto a metrópole era importante. “Como Salvador
cresceu com a ajuda dos senhores!” Só ia falando ladainhas, tentando tapear.
Foi nesse dia que o Brasil aprendeu política.
Uma carrada de gente ia ao delírio.
Músicas eram cantadas e instrumentos tocados. Todos queriam mostrar um pouco
mais do nosso Nordeste. Atrair aos portugueses pela beleza natural e cultural
do Brasil. Tinham mesmo era esperança de que a capital não se mudasse para o
Rio. Era a última chance. E por ser a última, faziam tudo com ainda mais
energia. “Meu príncipe regente, não saias daqui. Cá ficamos chorando por Deus e
por ti...!”
Mas o homem tratou logo de ir
embora, deixando toda a música parada e as lágrimas nos olhos de todos. Era o
fim dos tempos de glória de Salvador. O sol ficou tão forte, que esquentou
tanto, até não aguentarmos mais. Ainda era amigo, mas desses que a gente tem um
pouco de medo, porque de vez em quando inventa de dar umas alfinetadas, sabe? E
aí, de tempos em tempos, nós e essa estrela nos recordamos da época do Império,
lá em 1800, quando tudo era diferente e o Nordeste tratava de se destacar.
Ah, podem dizer o que for. Mas essa
praia, esse mar... Passa tempo, cortam dinheiro e a beleza continua igual. Se
tiver que escolher entre o nosso litoral e o do Rio de Janeiro... Vixe! Não
precisa nem perguntar. Vai ver foi por isso que o Regente foi embora rápido.
Era pra não ter perigo de perder a hora da embarcação.
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