8 de outubro de 2012

As cores da dança


Minha mãe tinha implicância, disso eu lembrava. Passávamos perto para ir à feira, mas ela logo me puxava para quase debaixo da saia. O batuque inundava a rua toda. Negros, negras e alguns poucos brancos cantavam, alegrando aos cavalos e aos vendedores de lá. Muitos sorrisos aqui e ali. Porém, a minha mãe fechava a cara, dizendo “Isso é um absurdo mesmo! Esse desrespeito!” Nunca entendi muito bem a resistência.

            Fui crescendo e aos poucos me libertei da saia. Passei a brincar com os meninos da rua e a jogar futebol. Eu até gostava da batucada, mas permanecia quieto, reservado. A minha vontade mesmo era de entrar naquela roda africana. Tirar o tênis surrado e sujar o meu pé todo com a poeira do chão, enquanto me limpava de alma e corpo.
            Houve um dia, porém, que a bola escapuliu da minha mão, fugiu do gol e caminhou meio lenta e meio rápida na direção da saia branca de uma negra daquelas. Os garotos logo gritaram “Vai buscar, Roberto!” Não tive escolha. Caminhei devagar, ignorando aos meninos impacientes. Eu estava mesmo era temeroso. O tambor ia aumentando. Pude sentir o som entrando por meus ouvidos e indo, invadindo, assim, rápido, por tudo e tudo. A onda passou por meu coração. O meu interior foi explodindo e comecei a me mover. Não deu outra. O ritmo inundava. Um vício. Não consegui me segurar. Peguei a bola, dei um chute nela para que chegasse ao gol e aceitei ao convite de uma das moças para dançar no meio da roda.
            Comecei tímido, confesso. Os movimentos travados, feito um robô. Tinha medo de errar alguma coisa. A verdade mesmo era a vergonha. A exposição de ficar ali, no meio, diante de todos que cantavam, dançavam, batiam palmas e sorriam. Fui convencido pelo companheirismo. Rodei aqui e ali. Movi as pernas. Os braços. Aos poucos fui pegando o ritmo e gosto. Fechei os olhos e fiquei entorpecido. Um transe.
            Estava tão envolvido que não escutei aos gritos de aviso de alguns colegas. Não percebi que uma voz feminina berrava o meu nome. Só entendi mesmo o que acontecia quando uma mão me puxou pela orelha e gritou “Saia de perto desse povo! Você está de castigo!” E sendo arrastado dali, olhei na direção daqueles que foram meus amigos durante aquela música e senti uma saudade da roda... O som parou e olhei para os tambores já sentindo falta da energia.
            Entrei em casa e fui obrigado a fazer a faxina. Entre uma vassourada e outra, espiava pela janela e via todas aquelas cores, querendo mesmo era estar por lá. Vez ou outra escutava a música e tentava decorar a letra. Prometi a mim mesmo que voltaria. E no percurso para a escola, acabava parando ali por uns dez minutos, sem me importar com as inúmeras anotações de atraso que se acumulavam em minha agenda.
            Ah, se a minha mãe descobrisse naquela época... Era capaz de pôr fogo em tudo. Mas aí, mesmo em chamas, com certeza continuaríamos cantando e dançando, até que a nossa energia superasse e apagasse todo o fogaréu.

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