28 de janeiro de 2012

O fim do ato

A luz apagada. Iluminação por velas. Uma música romântica tocando ao fundo. Cantor desconhecido. O copo na mão dele, indo aos lábios, e voltando vez ou outra. Um uísque barato mesmo. Era pobre, e não podia mudar muito a situação. Olhava para ela e ela para ele. Assim, desse jeito meio dramaturgo. A paixão nos olhos. Os lábios macios. Analisavam-se. Ponderavam as atitudes. Ansiavam o beijo. Ah, o beijo! Aquela mistura de mel com açúcar. Um sabor meio indefinido. Desses que você não quer largar. O perfume de jardim. Um milhão de flores. Só dela e somente dela. A música acabava e a valsa iniciava-se. Estendeu a mão. Um cavaleiro fingido. Não desviavam os olhos. Um passo para lá e outro para cá. Os rostos próximos. Os corpos encostados.



— Não houve outra — a fala interrompeu o silêncio — Só você. Acredita nisso?


Respiração ofegante. Ela muda. Ele esperando. Uma onda de reações. As pálpebras baixas, os passos mais lentos, as mãos trêmulas. Uma união desunida. A fragilidade em tudo. Cada músculo. 

— É difícil...


A música para. Afastaram-se. Um golpe no escuro. Desejavam-se. Precisavam de um pretexto. Ele desesperado. Ela desconfiada. Incompleta. Necessitava escutar as palavras certas. Tranqüilizar-se.


— Eu te amo.


Olharam-se. Ele se adiantou. Puxou-a para si. Aproximou seus lábios dos dela quase tudo. Ela avançou e o beijou. Aquele gosto de mel com açúcar. O cheiro de jardim. Um milhão de flores. A sensação já conhecida, e ainda assim inesperada. Sempre uma nova surpresa. A mesma urgência. As mãos inquietas. Os lábios macios. Olhos fechados. A vontade de alcançar o infinito. Permanecer naquilo durante toda a eternidade.

A cortina fecha. Aplausos por todos os cantos do salão. Reúnem-se com outros atores. Curvam-se em um cumprimento. As mãos dadas. Soltam-se. A carranca feita. Ele atrás dela. O jeito romântico perdido. A tristeza nos olhos dele. A raiva nos dela.


— Você não precisava ter interpretado daquele jeito! — ela disse, tirando o figurino pelo corredor afora, enquanto caminhava para o camarim — Parece que quer me provocar. Caramba, César! Quantas vezes vou ter que repetir? Acabou. Não entende?!


Ele a puxa. Os dedos brancos, na negrura da pele dela. Marcam. A urgência do toque. Ela se vira. O ódio em tudo. As lágrimas nos olhos. Eram iguais a jabuticaba, ele já brincara. Iguais ao da Narizinho, só que mais bonitos.


— Me deixa em paz, está bem? Amanhã é o nosso último espetáculo, e aí não teremos que nos encontrar mais. Assinei o contrato com uma companhia de São Paulo.


Entra no camarim e fecha a porta. Ele encosta-se nela, e deixa-se cair, daquele jeito, utilizando-a como apoio. As mãos no rosto. As lágrimas nos olhos. O ouvido escuta aos passos de Maria. Ao grito estridente “ADEUS, RIO DE JANEIRO. NUNCA MAIS VOU TE VER.” Uma despedida a uma cidade carregada com uma mensagem subliminar. A despedida de um tal de César. O corte de laços. O encerramento de aquilo que um dia fora especial. Todo espetáculo precisava chegar ao fim, por melhor que fosse. Era o fim do último ato.

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