19 de julho de 2010

Filhos da puta

Seria uma viagem perfeita, tenho que admitir. Mas é assim que nos iludimos, não é? Buscando a perfeição da coisa. Sempre tem um filho da puta para arruinar tudo. Ou talvez, alguns filhos da puta.
Mas é claro, eu nunca iria pensar isso, porque sempre temos esperança de atingirmos a perfeição.
Cheguei no avião já não muito animado. Sabe como é, classe econômica, ônibus fretado, aeromoça mediana e com a ciência de que a comida não seria exatamente o sonho gastronômico. Mal sabia eu que aqueles eram os meus menores problemas. Lá estava, um homem grande, gordo, com aquela cara de fuinha gorda que todos nós temos o pavor. É o tipo de homem que você não quer passar perto com medo de ser contaminado com o bafo de alho e com o suor abundante. E ali estava, em um assento ao lado, com aquela língua de boi passando pelo lábio superior enquanto olhava para mim. O cara além de tudo era gay.
Olha, quero deixar bem claro. Não sou homofóbico nem nada do gênero. Posso dizer que já tive meus momentos bissexuais na adolescência. Mas bom... Era somente aquela fase de descoberta. E mesmo tendo ficado com garotos, eu ainda assim tinha um certo tato.
Aquilo não era um homem, era um ogro.
Tudo bem né... Demorei um pouco pra colocar a bagagem com ar de quem não quer nada e depois me dirigi até a aeromoça. Tinha uma certa esperança de que ela curtisse meu charme e me colocasse em uma outra cadeira.
Mas é claro... Isso nunca ia acontecer.
Tudo bem, beleza. Sentei no lugar, peguei meu notebook e comecei a jogar um jogo qualquer só para me distrair. Eram duas horas de vôo, afinal. Eu poderia sobreviver.
Claro que você não prevê que o gordo vá puxar conversa.
“E aí... Pretende fazer o que nas férias?”
“Praia, né cara. Estou indo pra uma cidade de praia.”
“Claro, claro... Imagino que deva aproveitar muito a praia.”
E de forma indiscreta olhou para as minhas partes. Eu não consegui associar o que a praia tinha a ver com outra coisa, mas tudo bem. Apenas continuei a olhar para meu computador.
“Você é médico? Possui um certo tipo de ser médico, sabia? Conheço muitos e você é incrível como todos eles.”
Aquilo já estava ficando ridículo.
“Aeromoça um whisky com gelo por favor. Aliás, dois.”
E eu percebi o erro que tinha cometido. O gordo achou que a segunda bebida era para ele e não para garantir a conservação da minha paciência.
Para deixar claro que era para mim, bebi um da forma mais rápida que consegui e o outro segurei, deixando claro que era meu e somente meu.
“Hum... Homem que gosta de beber. Aprecio a resistência à essas substâncias.”
E aí eu percebi que a última coisa que eu precisava era ser resistente naquele momento.
“Olha aqui cara... Eu não sei ao certo qual é a sua, mas eu sou heterossexual ok? Olha aqui a merda da minha aliança! E eu sou muito bem casado!”
Bom, posso ter falado alto demais, porque o restante do avião inteiro olhou para nós. E o filho da puta, ao invés de ficar quieto, apenas disse em um tom alto o suficiente para alguns passageiros escutarem:
“Acho que você bebeu demais, querido. Já disse para não fazer isso. Quer que eu te de mais uma lição?”
Fiquei olhando para ele por alguns momentos, sem saber ao certo o que fazer. Mas depois de um tempo não muito longo, soltei a exclamativa indignada:
“Que merda é essa? Aeromoça eu exijo trocar de lugar por assédio sexual!”
No entanto, ao invés de a aeromoça me apoiar, virou para o gordo e perguntou:
“Você gostaria de fazer uma queixa por danos morais?”
Por que eu não adivinhei antes? Era óbvio que aquela filha da puta faria de tudo para me prejudicar. Não tinha ido com a minha cara! Para completar a situação, o gordo apenas sorriu e olhou para ela tristemente:
“Eu estou bem. Ele só bebeu demais.”
E colocou a mão na minha perna, com a maior autoridade.

0 comentários:

Postar um comentário