30 de dezembro de 2009

Schadenfreude

É impressionante como a Schadenfreude realmente se aplica na sociedade com força total. A palavra é de origem alemã e serve para designar o sentimento de prazer pelo sofrimento e desgraça alheia. As pessoas sentem o prazer em ver o outro em uma mais completa catástofre, algo um pouco antiético, mas verdadeiro.

Um bom exemplo disso foi o que aconteceu com Pauleta. A jovem pretendia apenas deslocar-se de sua casa até a locadora em uma tentativa de aliviar o tédio domingal. A boa notícia foi o fato de ter realmente aliviado o tédio, a má foi o modo como este foi aliviado.

Durante o percurso, um barulho estranho pôde ser ouvido e juntamente com ele mais alguns barulhos estranhos. Os barulhos não foram as únicas coisas anormais que Pauleta pôde sentir. A jovem também sentiu uma leve inclinação para o lado esquerdo, como se o carro magicamente estivesse... Afundando.

O mais sensato a fazer em uma situação estranha como essa é sair do carro para investigar, foi exatamente o que ela fez. Abriu a porta e começou a andar na direção de onde o barulho inicial pôde ser ouvido. No entanto, foi durante esse pequeno percurso que os primeiros comentários e gargalhadas puderam ser ouvidos.

— Ai ai... Tinha que ser mulher mesmo! Acho que deviam abolir essa ideia de que mulheres podem dirigir. Olha aí o que acaba acontecendo! — o gordo apontou para o carro afundado enquanto revirava os olhos e reclamava em um tom mais do que audível.

— É uma criança! Aposto que deve ter comprado carteira naquele lugar que fecharam semana passada! — uma mãe de família disse enquanto segurava suas duas crianças firmemente, como se estivesse com medo da influência que aquele incidente poderia causar para seus pobres filhos.

Esses foram os únicos revoltados. Os outros não se preocuparam em articular frases revolucionárias, apenas gargalharam e proferiram xingamentos nada agradáveis.

Loira burra!

Imbecil!

Essa mulher só tem merda na cabeça!

Com esses três já dá para ter uma noção do tipo de palavra que saiu durante o ritual de xingamentos.

Juntando as críticas com a constatação de que o carro havia literalmente caído dentro do bueiro, Pauleta em um ato mais do que natural, entrou em desespero.

Entrou novamente no carro em uma tentativa de isolar-se da sociedade xingatória lá fora, pegou o celular e pôs-se a chorar enquanto discava o número do pai. Felizmente as lágrimas não atrapalharam o processo, já que alguns segundos depois a voz grossa e sonolenta do pai pôde ser ouvida.

— Paaaaaiiiiiii, ppppppppaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai?!

— O que foi minha filha?! — o velho disse, impaciente.

— O bbbbueeeeeirooo caiuuuu com o ccccarro.

— O que?!

— Ooooo bbueirrro caiu cccom o ccarrrooo!

— O carro caiu no bueiro?!

— Nãaaaaaaaaaao, o bbbueiro cccaiu ccom o ccarroooo.

Um suspiro pôde ser ouvido do outro lado da linha e depois uma simples fala impaciente.

Onde você está?

Nnnaa... Pperto da locadoraaaaa.

Estou indo para aí.

Alguns minutos depois viu-se um homem corpulento, roxo de raiva saindo de uma caminhonete pré histórica, mas tão grande que desafiava ao dono do mais bonito carro a fazer algum comentário sobre sua idade ou seu estado de conservação. Ao ver o motorista, a hipótese de um comentário maldoso se tornava tão longínqua quanto a mais afastada estrela do universo.

O homem saiu do carro raivoso e como se não bastasse a atenção conquistada apenas por seu tamanho, começou a esbravejar:

— O que cês tão olhando, heim?! Perderam alguma coisa aqui, é?! Vai olhar a casa do vizinho, isso sim! Não tem nada pra ver aqui não!

E magicamente todos se propuseram a ajudar, mas era óbvio que um homem com tanta raiva teria um orgulho no mínimo na mesma proporção.

— Não quero ajuda não! Fiquem quietinhos aí porque não quero a ajuda de vocês, seus boçais!

Andou em passos largos até o carro da filha e pôs-se a dizer em um tom de voz maior ainda:

Que merda você foi fazer, heim minha filha?! Ai ai, só você mesmo!

E ninguém mais ria da situação, apenas se afastava pouco a pouco, com medo do que o pai da garota podia fazer. É... A schadenfreude é meio que por conveniência, só rimos quando temos uma posição favorável para tal. Mas ali, a posição favorável não existia.

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