O badalar da hora já não importava. Sabia-se somente do dia ou da noite. O claro ia dando lugar ao escuro, formando um crepúsculo que emprestava o laranja para toda a negritude. Lá em cima, a lua era chamada pelas estrelas. E assim como ela, outros seres também se amontoavam. A fogueira pronta, enquanto tochas eram acesas. Lá longe, uma coruja soltou o sinal. Já era hora de ela começar a voar por aí, oculta em árvores.
Foi então que, em sua reflexão, viu-se chamada por outros. Era a hora de doar energia ao fogo. Nunca participara de um ritual tão verdadeiro. E assim, seus olhos foram todos inundados por chamas. Aquecida, começou a seguir os passos daqueles que circulavam a fogueira, ao mesmo tempo que dançavam e repetiam palavras indígenas e ritmadas. A dança foi ficando mais urgente, assim como a repetição, até que tudo deu lugar à música e ao som do tambor.
Foi nesse momento que se encaminharam, um a um, para queimar os resquícios do ano anterior. Poderia ser um papel, um objeto, ou mesmo um sentimento. Bastava mentalizar calmamente, depositar o que fosse entre as madeiras e o observar se esvair em chamas. O corpo, então, ficaria mais vazio, com a sensação de um passado que não voltará mais. Pois ao mesmo tempo em que vem a saudade ou o arrependimento, vem também a curiosidade do que ainda nem chegou, mas está por vir.
Viveram, por um momento, o atemporal, pois o outro ano ainda não se iniciara. Era como se todos estivessem em um tempo de tempo nenhum, por não existirem segundos, minutos, semanas ou anos. E nessa ocasião, tudo era tão possível, que aqueles que estavam se esqueceram do longínquo. Uma meia noite tão inteira quanto a verdade.
Deram início, então, à abertura de um outro tempo. Plantaram seus desejos, sendo eles complexos ou simples. Poderia ser concreto ou tão abstrato quanto a felicidade. Pois quem não haveria de querer ser feliz? E provavelmente alguém desejou tal sensação, porque naquela noite foram tão alegres quanto crianças brincando dentro de um rio. Nadaram, então, por toda aquela magia repleta de energia, quando a música preenchia a todo o momento, regada por danças de quem se libertava e conhecia a si e ao outro. Movimentos que sombreavam no fogo e se estendiam pela clareira tão vasta…
A lua, lá de cima, observava e iluminava tanto quanto o fogo. Era como um escuro de prata, uma chuva de luz de quem só deseja mesmo a liberdade. E a menina, de pés descalços, deixou que a terra lhe acariciasse e a mudasse por completo. Ela já não era ela. Era alguém estrangeiro, mas que se hospedaria dentro de si e a mudaria de nacionalidade, por pertencer, a partir daquele instante, ao mundo.
1 comentários:
Uau, fiquei ateh arrepiado !
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