15 de junho de 2014

Passagem a pé

            Por vezes rápido e outras devagar, andava de costas sem ver o que chegava. Trombava em árvores, pessoas, automóveis. Todos gritavam: Olha pra frente! Mas como poderia ver quando estava andando para trás? Até que por fim um carro parou, abrupto, logo atrás de seu calcanhar, enquanto uma buzina a tornava surda.

            “Qual é o seu problema?!”
            Loucura. Poderia separar a sílabas, dizer as letras, armar palavras com cada uma delas. Cura. Louca. Loura. Rua. Cola. Ralo. Ia enumerando, todas elas passando por sua cabeça. Significado por significado.
            Até que se lembrou, enquanto olhava para o céu, de como o sol estava bonito naquele dia e os pássaros... Ah, eles não paravam de cantar. Sonhou com um bando de gente toda junta, dançando em sintonia. Eles todos andando para trás, vendo apenas o que deixaram ao continuarem indo, assim...
            “É uma metáfora!”
            A moça gritou, enquanto continuava a andar, dessa vez trilhando outra direção. Esbarrou em um degrau e foi subindo as escadas. Os sinos anunciavam uma missa, mas ela não veria o padre ou o altar. Olharia para a expressão de cada um daqueles outros, enquanto fechavam os olhos e se deixavam guiar pelo invisível.
            Ora, mas que metáfora? Tratava-se da saudade, da lembrança e do passado. Quantas coisas teria deixado passar? As pessoas passam. O seu irmão teria dito, certa vez, enquanto cantava uma canção tão ruim que a fez rir. O sonho dele era viver de arte. O dela era morrer de amor, porque não sentiria medo algum com um fim tão poético assim.
            E andando, dessa forma, foi olhando para cada um dos que a encaravam. Essa menina é louca? Todos pensavam, sem entender. Um executivo trombou com uma mala nela. Um ciclista gritou. Um menino a sujou de sorvete.  E enquanto ia caminhando e olhando para o que deixava para trás, ia percebendo o quanto aquele mundo era louco, com as pessoas que só se preocupavam em ir, sem saber o que deixavam. Não sabia o que escolhia. Só ia. E numa dessas entrou em um trem sem saber o destino. Foi aí que se lembrou o porquê de tudo aquilo. Ela só desejava mesmo uma viagem para alguns dias atrás.
            Quem dera se o tempo fosse tão manipulável quanto andar para frente e para trás. Pelo menos havia o presente. Mas tão logo, ele se tornaria um passado. Questão de segundos, minutos. Um momento só é ele naquele "instante já".

1 comentários:

John Titor disse...

Você escreve bem . Tem até um estilo próprio de narrar .
Gostei .

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