27 de fevereiro de 2013

O enredo



                O novo barman nunca pensaria que o Poesia Pub pudesse carregar, de fato, tantas histórias. Os que lá frequentavam não eram nem de longe escritores, o local tinha perdido o requinte há muito. Mas, trágicos, os clientes levavam dentro de si a melancolia de poetas como Lord Byron. Quietos, respeitavam a trilha sonora triste de um pianista sempre bêbado e se sentavam em cadeiras suficientemente afastadas umas das outras, sem trocarem olhares ou sorrisos. O bar, então, tornava-se um verdadeiro ponto de descanso do Silêncio, que deixava o local em raríssimas ocasiões. E era nesses momentos que as verdadeiras pérolas se revelavam, diversos contos em forma de falas. O barman não pôde deixar de se maravilhar, pois poeta como o era, encontraria ali a inspiração necessária para as suas histórias.

            Entretanto, essa história não está centrada nesse servente de bebidas com alma de artista. De fato, foi muito bem observada por ele, incapaz de conter a sua curiosidade sob o pretexto da construção de novos enredos. O ponto, porém, está em um casal que o destino decidiu juntar. Eis os nossos personagens. Um jovem chegou, pediu uma cerveja e passou a assistir à performance do pianista que, desacostumado a receber atenção, acabava por errar notas e esquecer-se do público, sem chegar a desejar aplausos de reconhecimento. A mulher, por outro lado, concentrava-se em um Ipad, objeto muito moderno se comparado aos telefones velhos que os clientes vez ou outra levavam, ou nem isso. Era jornalista, então olhava a pauta do dia enquanto reclamava mentalmente do trabalho que deveria fazer.
            A música parou e, por breves instantes, o Silêncio tornou-se ainda mais denso, sem ser quebrado por qualquer suspiro ou barulho de copo se posicionando novamente sobre a mesa. Tão intenso, todos pareciam ainda mais interessados no horizonte ignorado, preenchido por pensamentos preocupados, tragédias gregas não reveladas por dramaturgos da antiguidade. O poeta, por outro lado, poderia escrevê-las, se não fossem ocultadas pelos clientes fechados e com uma aparência mórbida de dar pena.
            O Silêncio, no entanto, breve em questão de tempo, longo aos olhos do barman, foi logo substituído por palmas nada sincronizadas, assobio desnecessário e um grito de “Incrível”. Ora, o jovem que assistia ao pianista, passou de cliente a criminoso, por matar, assim, tão facilmente, a paz dos que ali se alojavam. Porém, desejando fugir das obrigações, a mulher deixou de repousar os olhos no email inédito e desviou a sua atenção para o rapaz que ainda aplaudia. Olhos de romântico por se emocionar tão fácil com uma música repleta de erros. Ela precisava de romantismo.
            Pois não foi difícil que se unissem em uma pista de dança improvisada, enquanto o pianista despertava do seu torpor e dava continuidade à sua alma musical. Foi como se, por um momento, o Poesia Pub voltasse aos anos 80, quando jovens conversavam alto e trocavam flertes, tão seguros de si. E então, todos de repente pareceram um pouco mais animados, energizados por aquele rapaz tão rico de espírito. Pediram que o barman acendesse a luz, porque estava muito escuro. As bebidas passaram a girar mais rapidamente, rodadas e rodadas de cervejas geladas, porque eles não podiam se dar ao luxo de deixá-las esquentar.
            A música, entretanto, finalizada, pareceu fazer com que tudo aquilo voltasse, a atmosfera pesada dos simbolistas atormentados. E o rapaz, anônimo para a moça que o desconhecia, beijou a sua mão e saiu, enquanto dava um sorriso para o barman. Pois bem sabido como o era, conhecia a alma de um poeta que estava a nascer, pronto a contar histórias em verso, que mais tarde poderiam se tornar, quem sabe, composições a serem cantadas naquele Pub abandonado.
            Estava ali o primeiro texto. Uma dança, apenas. Mas, aos olhos do poeta, tratava-se de um prelúdio. O início de todos os outros enredos. 

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