O
novo barman nunca pensaria que o Poesia Pub pudesse carregar, de fato, tantas
histórias. Os que lá frequentavam não eram nem de longe escritores, o local
tinha perdido o requinte há muito. Mas, trágicos, os clientes levavam dentro de
si a melancolia de poetas como Lord Byron. Quietos, respeitavam a trilha sonora
triste de um pianista sempre bêbado e se sentavam em cadeiras suficientemente
afastadas umas das outras, sem trocarem olhares ou sorrisos. O bar, então,
tornava-se um verdadeiro ponto de descanso do Silêncio, que deixava o local em
raríssimas ocasiões. E era nesses momentos que as verdadeiras pérolas se
revelavam, diversos contos em forma de falas. O barman não pôde deixar
de se maravilhar, pois poeta como o era, encontraria ali a inspiração
necessária para as suas histórias.
Entretanto, essa história não está centrada nesse servente de bebidas com alma de
artista. De fato, foi muito bem observada por ele, incapaz de conter a sua
curiosidade sob o pretexto da construção de novos enredos. O ponto, porém, está
em um casal que o destino decidiu juntar. Eis os nossos personagens. Um jovem
chegou, pediu uma cerveja e passou a assistir à performance do pianista que,
desacostumado a receber atenção, acabava por errar notas e esquecer-se do
público, sem chegar a desejar aplausos de reconhecimento. A mulher, por outro
lado, concentrava-se em um Ipad, objeto muito moderno se comparado aos
telefones velhos que os clientes vez ou outra levavam, ou nem isso. Era
jornalista, então olhava a pauta do dia enquanto reclamava mentalmente do
trabalho que deveria fazer.
A música
parou e, por breves instantes, o Silêncio tornou-se ainda mais denso, sem ser
quebrado por qualquer suspiro ou barulho de copo se posicionando novamente
sobre a mesa. Tão intenso, todos pareciam ainda mais interessados no horizonte
ignorado, preenchido por pensamentos preocupados, tragédias gregas não
reveladas por dramaturgos da antiguidade. O poeta, por outro lado, poderia
escrevê-las, se não fossem ocultadas pelos clientes fechados e com uma
aparência mórbida de dar pena.
O Silêncio,
no entanto, breve em questão de tempo, longo aos olhos do barman, foi logo
substituído por palmas nada sincronizadas, assobio desnecessário e um grito de
“Incrível”. Ora, o jovem que assistia ao pianista, passou de cliente a
criminoso, por matar, assim, tão facilmente, a paz dos que ali se alojavam. Porém, desejando fugir das obrigações, a mulher deixou de repousar os olhos
no email inédito e desviou a sua atenção para o rapaz que ainda aplaudia. Olhos
de romântico por se emocionar tão fácil com uma música repleta de erros. Ela
precisava de romantismo.
Pois não
foi difícil que se unissem em uma pista de dança improvisada, enquanto o
pianista despertava do seu torpor e dava continuidade à sua alma musical. Foi
como se, por um momento, o Poesia Pub voltasse aos anos 80, quando jovens conversavam
alto e trocavam flertes, tão seguros de si. E então, todos de repente pareceram
um pouco mais animados, energizados por aquele rapaz tão rico de espírito.
Pediram que o barman acendesse a luz, porque estava muito escuro. As bebidas
passaram a girar mais rapidamente, rodadas e rodadas de cervejas geladas,
porque eles não podiam se dar ao luxo de deixá-las esquentar.
A
música, entretanto, finalizada, pareceu fazer com que tudo aquilo voltasse, a
atmosfera pesada dos simbolistas atormentados. E o rapaz, anônimo para a moça
que o desconhecia, beijou a sua mão e saiu, enquanto dava um sorriso para o
barman. Pois bem sabido como o era, conhecia a alma de um poeta que estava a
nascer, pronto a contar histórias em verso, que mais tarde poderiam se tornar,
quem sabe, composições a serem cantadas naquele Pub abandonado.
Estava
ali o primeiro texto. Uma dança, apenas. Mas, aos olhos do poeta, tratava-se de
um prelúdio. O início de todos os outros enredos.
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