Ele,
deitado no divã, segurava um cubo mágico e se concentrava em fazer nada dar
certo. Nenhuma combinação de cor. Tudo de maneira aleatória. Sem nexo. Mexia com
cautela. Como se achasse difícil. Enquanto isso, o psicólogo observava.
Anotava. Lápis no papel. Barulho de borracha. O tique taque do relógio.
—
O que Te trouxe aqui? — o psicólogo fez a pergunta de praxe. Aquela vista em
filmes.
O paciente ensaiara
a resposta diante do espelho. Sabia bem o que dizer. Mas acabou falando tudo ao
contrário do que pensou. Soltou a verdade:
—
A existência da impossibilidade.
O
analista ficou quieto. Olhou bem para o outro, surpreso. Primeiro, a visita
inesperada. Depois, a frase de efeito. Pensou, por um momento, que talvez o
tempo de faculdade não tivesse tido tanto resultado assim. Depois de anos de
carreira, estava surpreso. Mas não era por conta da fala em si, mas da pessoa
que a proferira.
Sentiu-se
um menino curioso. Repleto de porquês. Não poderia sair perguntando, assim, a
rodo. Perderia a licença. Então fingiu que anotava algo na prancheta, enquanto
desenhava bolinhas. Umas brancas, outras preenchidas de preto. Algumas em
gradiente. Olhou, esperando que o
paciente continuasse. Os óculos contribuíam para firmar o seu profissionalismo.
O outro falou.
—
Num dia desses desejei que o mundo fosse um lugar melhor. Talvez as pessoas
pudessem ser mais solidárias. No mesmo momento em que pensei nisso, veio a
notícia de que havia um conflito entre Estados Unidos e Oriente Médio. Parecia
que um desentendimento havia sido causado por conta de um filme maldito. Vê se
pode! Fiquei puto.
—
Depois disso, o Senhor fez o quê?
—
Tentei outra coisa. Pensei na paz mundial. Mas incendiaram um ônibus.
Ficou
uma hora falando sem parar. O analista anotava, enquanto pensava em como
formularia uma nova tese. Poderia revolucionar o ramo da psicologia e,
principalmente, o da filosofia. Empolgava-se. Misturava anotações relacionadas
à consulta com as suas próprias. Embaralhava-se na ortografia. Quase sorria
diante do paciente, pensando em como era sortudo.
Depois do tempo
estipulado, Deus se levantou e agradeceu. O psicólogo disse que Ele poderia
voltar quando quisesse. Seria muito bem vindo. Mas o paciente respondeu que era
impossível. O analista, então, fez cara de decepcionado.
— Viu como a
impossibilidade irrita? Agora, por exemplo, você pode se frustrar diante da
impossibilidade da comprovação da sua tese.
E desapareceu, deixando
apenas um consultório ocupado por um psicólogo perplexo e em crise existencial.
Estaria louco?
Impossível
saber.
1 comentários:
Simplesmente maravilhos, muito bem escrito e elaborado. Fez-me pensar em coisas conflitantes com nosso querer... Parabéns!
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