29 de setembro de 2012

A impossibilidade



            Ele, deitado no divã, segurava um cubo mágico e se concentrava em fazer nada dar certo. Nenhuma combinação de cor. Tudo de maneira aleatória. Sem nexo. Mexia com cautela. Como se achasse difícil. Enquanto isso, o psicólogo observava. Anotava. Lápis no papel. Barulho de borracha. O tique taque do relógio.

            — O que Te trouxe aqui? — o psicólogo fez a pergunta de praxe. Aquela vista em filmes.
O paciente ensaiara a resposta diante do espelho. Sabia bem o que dizer. Mas acabou falando tudo ao contrário do que pensou. Soltou a verdade:
            — A existência da impossibilidade.
            O analista ficou quieto. Olhou bem para o outro, surpreso. Primeiro, a visita inesperada. Depois, a frase de efeito. Pensou, por um momento, que talvez o tempo de faculdade não tivesse tido tanto resultado assim. Depois de anos de carreira, estava surpreso. Mas não era por conta da fala em si, mas da pessoa que a proferira.
            Sentiu-se um menino curioso. Repleto de porquês. Não poderia sair perguntando, assim, a rodo. Perderia a licença. Então fingiu que anotava algo na prancheta, enquanto desenhava bolinhas. Umas brancas, outras preenchidas de preto. Algumas em gradiente.       Olhou, esperando que o paciente continuasse. Os óculos contribuíam para firmar o seu profissionalismo. O outro falou.
            — Num dia desses desejei que o mundo fosse um lugar melhor. Talvez as pessoas pudessem ser mais solidárias. No mesmo momento em que pensei nisso, veio a notícia de que havia um conflito entre Estados Unidos e Oriente Médio. Parecia que um desentendimento havia sido causado por conta de um filme maldito. Vê se pode! Fiquei puto.
            — Depois disso, o Senhor fez o quê?
            — Tentei outra coisa. Pensei na paz mundial. Mas incendiaram um ônibus.
            Ficou uma hora falando sem parar. O analista anotava, enquanto pensava em como formularia uma nova tese. Poderia revolucionar o ramo da psicologia e, principalmente, o da filosofia. Empolgava-se. Misturava anotações relacionadas à consulta com as suas próprias. Embaralhava-se na ortografia. Quase sorria diante do paciente, pensando em como era sortudo.
Depois do tempo estipulado, Deus se levantou e agradeceu. O psicólogo disse que Ele poderia voltar quando quisesse. Seria muito bem vindo. Mas o paciente respondeu que era impossível. O analista, então, fez cara de decepcionado.
— Viu como a impossibilidade irrita? Agora, por exemplo, você pode se frustrar diante da impossibilidade da comprovação da sua tese.
E desapareceu, deixando apenas um consultório ocupado por um psicólogo perplexo e em crise existencial. Estaria louco?
Impossível saber.
            

1 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente maravilhos, muito bem escrito e elaborado. Fez-me pensar em coisas conflitantes com nosso querer... Parabéns!

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