29 de agosto de 2011

A história deles


           Ela sorria assim que o via, não tinha jeito. Podia estar num mau dia, estressada, cansada...  o que fosse. Ria e mostrava seus dentes imperfeitos. Não gostava deles, mas mostrava mesmo assim. Ímpeto incontrolável por se tratar dele.
Ele era seu amigo. Um pouco mais baixo que ela, mas não muito. A diferença era pouca, quase imperceptível. Ela notava, porque tinha um complexo bobo de altura, achava que meninas mais altas que meninos não podiam formar um par. Casal assim era caipira segundo ela. Nascera no interior de Minas Gerais, mas não aceitava a sua própria mineirisse.
            Foram crescendo juntos. Onze, doze, treze, catorze, quinze... chegaram aos dezesseis. Ele com uma barba mal feita em quase todos os dias, devia fazer dia sim e dia não por preguiça. Ela ainda com os dentes imperfeitos. Tinha medo de usar aparelho.
            Mudaram. Ele espichou com uma rapidez surpreendente. Começou a fazer academia e os braços até então finos, tornaram-se de homem. Sua barba por fazer deu lugar a uma completa. A voz engrossou-se de um jeito assustador, mas ainda assim natural. A mudança não a amedrontava. Ela ainda enxergava nele o mesmo menino de antes, o que um dia disse que a namoraria quando tinham onze anos e ela foi impedida de aceitar por ser muito mais alta. Agora era como uma criança perto dele, de tão pequena. Suas feições ainda eram infantis, embora o corpo fosse de mulher. Crescera assim como ele, mas em outras partes. E também decresceu, tornando-se magra, sexy...
            O tempo passou assim, rápido. Num dia trocavam figurinhas, brincavam de um misto de boneca e carrinho, tudo intercalado. Depois começaram a freqüentar aniversários que se encerravam às 22 horas. E depois meia noite, uma hora... Os pais revezavam em buscá-los e acabaram se tornando amigos nessa brincadeira toda. Torciam escondidos para que as coisas dessem certo entre os dois.
Ele é um menino tão bom, a mãe dela dizia. Tão educado. E a dele a mesma coisa. Dava indiretas, fazia perguntas. “E as paquerinhas?” “Não tem não, mãe.” Ele respondia depressa. E ela insistia. “Mas e a Sofia?”
Sofia, Sofia, Sofia... O nome repetia-se em sua mente. Fazia ecos. A diferença é que o eco acaba. O nome dela não. Parecia bater de um neurônio a outro, mas nunca cair. Ficava sendo repetido na mesma altura, como um alarme que não fora desativado. E nem iria. Sofia, Sofia, Sofia...

A mesma água não escorre duas vezes num rio. Não soube explicar o porquê de a frase lhe vir à mente, mas veio. Lembrou-se de imediato de sua mãe dizendo isso uma vez. Não se recordou do contexto. Nem precisava. Um pensamento passou para completar a frase, enquanto via Sofia indo na sua direção. O coração acelerou, o sorriso se formou e começou a suar frio, mais do que quando estava apresentando coisa em público na escola. Sim, a mesma água não escorria duas vezes num rio. Nada se repetia, nem mesmo seus sentimentos por ela. Eles pareciam crescer cada vez mais, apoderar-se de tudo dele. O pobre garoto não tinha mais liberdade. Estava escravizado. Mas não queria libertar-se. Era uma escravidão tão boa... Tornava-o viciado por algo que não lhe causava mal, só bem e aí ele se sentia obrigado a vê-la sempre. O tempo que tinham juntos não parecia nunca suficiente, e ele queria sempre mais...
Os sentimentos foram aumentando tanto, que guardá-los tornava-se cada vez mais insuportável. Por mais que tivesse crescido, e tivesse uns bons cento e oitenta centímetros de altura, o volume de seu corpo não parecia suficiente para sustentar a densidade de seu amor. Explodiu. Declarou-se. E no sorriso dela encontrou a resposta que no fundo, no fundo, já sabia, mas que ainda assim temia perguntar.

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