20 de julho de 2011

A hora certa

Já é a quinta, sexta, sétima, sei lá... Perdi as contas de quantas vezes repeti a mesma música. O play não para de ser pressionado e parece que movo meus dedos somente para isso. O vocal depressivo e o tom marcante do piano soam como a trilha sonora adequada para o meu funeral. Não morri, apesar de tudo. Pelo menos não fisicamente. Meu corpo está intacto, salvo pelos danos nos pulmões causados pelos cigarros ou no organismo como um todo devido à bebida e ao sedentarismo. 
Minha morte é mental e somente ela já é o suficiente para me fazer ficar nesse estado vegetativo. O vocal do cantor desconhecido, porém já tão íntimo, colabora para me empurrar ainda mais para o fundo do caixão inexistente. O quarto porta-se como meu túmulo e as luzes apagadas como uma metáfora de uma noite que nunca terminará e que pertence a um período sombrio e interminável.
Vasculho minha bolsa em busca de um cigarro. O maço encontra-se vazio. Rio de mim mesma. Sou tão patética que preciso de um vício para me sustentar. Recordo-me então do tempo em que a felicidade ainda existia e eu não precisava de tanto. Hoje em dia essa época parece tão distante que nem consigo me lembrar dos detalhes. Já faz muito.
Aperto novamente o play. Não arrisco cantar. Arruinaria o momento já tão ruim. Fecho os olhos e dou-me o direito de adormecer. Tanto faz que horas são ou o que acontecerá em seguida. Na verdade, acredito que essa seria a hora perfeita para morrer não só de mente, mas também de corpo.

1 comentários:

Francisco Gracioli disse...

Bella, como sempre, eu sou seu fã. Adoro a naturalidade dos seus textos, coisa muito difícil de encontrar. Esse conto marca bem o que eu falo: a naturalidade. Adorei. :*
Francisco Gracioli

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