2 de março de 2011

Sonhos veraneios - Parte 3


“Tinha esquecido do perigo que é colocar o seu coração nas mãos do outro e dizer: toma, faz o que quiser.” Caio Fernando Abreu


3
           Ele disse pra mim que não estava interessado em sair, quando todos sairam para o carro, e eu fiquei para trás trancando a casa. Pensei que o Matheus que fosse o louco do momento, e não eu. Afinal de contas, todo mundo sabia que a noite de Búzios era extremamente proveitosa, já que tinha excelentes barzinhos e coisa e tal. Eu não pretendia beber, mas estava disposta a me divertir. Só que a ideia não parecia tão legal quando o vi com um pacote de pipoca e um box de DVD de Chuck na mão. Entendam-me, Chuck é o meu seriado favorito.
            A buzina la fora estava cada vez mais insistente e eu fiquei paralizada, olhando-o colocar o DVD no aparelho que localizava-se logo abaixo da TV. Ele pareceu notar, virou-se para mim com aquele sorriso inconfundível no rosto, e perguntou o que havia de errado. E tudo o que eu consegui pensar em falar foi:
           — Você é bem parecido comigo, só isso.
           — Por que?
           — Eu sou o tipo de pessoa que fica em casa sexta-feira a noite vendo Chuck ou algum outro seriado qualquer.
           Ele riu, e assim como eu, não parecia nada incomodado com as buzinas que àquela altura do campeonato mais pareciam uma sirene de uma ambulância onde alguém morria e os médicos davam a própria vida para salvá-lo. Ele apenas parecia tão fascinado quanto eu. Ou pelo menos eu esperava que estivesse tão fascinado quanto.
           — Então por que vai sair?
           — Bom, é o aniversário da Laura. Ela ia ficar meio irritada se eu ficasse em casa com o primo do primo dela assistindo seriado, não?
            Ele riu, e parecia achar aquele comentário mais engraçado do que uma pessoa normal acharia. A questão é que ele não era normal, mas eu não conseguia achar uma palavra que conseguisse defini-lo. Matheus era apenas... Particular.
           — É, isso seria realmente complicado.
           Ficamos em um momento constrangedor, enquanto a buzina soava extremamente alta lá fora. Se fosse eu quem estivesse esperando e estivesse tão desesperada assim, já teria saído do carro para chamar a fonte do atraso. No entanto, aparentemente quem quer que estivesse com tanta pressa não parara para pensar na ideia, ou estava com preguiça demais para realizar tal ação. Foi nesse momento silencioso que lancei a cartada certa para ao mesmo tempo admitir que estava envolvida e que queria que nos envolvêssemos de fato:
           — Por que não me faz companhia, então? Poderíamos tentar fugir e ver o mar do píer.
           Ele nem fez questão de demonstrar hesitação.
           — Como não vai caber todo mundo no carro, a gente vai no meu e até podemos voltar mais cedo para assistir Chuck.
           — A pipoca vai estar velha, mas nós fazemos outra.
           Trocamos um olhar cúmplice, e saímos de casa. Milagrosamente, todos pareceram esquecer o atraso que eu havia cometido quando falei que tinha convencido o Matheus a ir. Ele era o tipo de pessoa que todos amavam, mesmo com sua personalidade difícil caracterizada por fazer apenas o que queria. Eu não era excessão aos seus encantamentos e foi exatamente por isso que entrei no carro dele, e desliguei-me das possíveis consequências que aquela aproximação poderia levar. Eu estava com receio, mas estava na hora de seguir em frente.
           Naquela noite e nem mesmo nas outras, não pensei em Gustavo.

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