10 de novembro de 2010

Futebol

A profissão dos dois pedia imparcialidade, mas tal façanha era impossível naquele evento. O estádio estava lotado de torcedores das duas torcidas e a emoção de toda aquela massa unida apenas por dois times era intensa e inigualável. O campeonato estava prestes a acabar e apenas um time venceria aquela disputa gloriosa.

Claro, naquela condição qualquer comentarista tinha o direito de ser antiprofissional. Afinal, qual o anormal largaria o time de coração em nome da profissão?

O Roberto era Flamengo, já o Luciano, Fluminense. O campeonato para ambos os lados era importante, já que fazia anos que nenhum dos dois times vencia o Brasileirão. Mais importante ainda para a honra em si. A briga dos dois clubes havia sido acirrada durante todo o campeonato e essa situação havia se alongado de tal modo a chegar na final. O vencedor não levaria apenas um troféu, levaria também a glória e a honra do perdedor.

Tentavam disputar suas ideias contrárias através do microfone. Os comentaristas esqueceram-se da amizade de anos, e em nome do futebol, se entregaram em uma briga de oralidade.

— E o Flamengo é o mais preparado para essa disputa final! Conta com Zeferino como atacante principal e o melhor goleiro de todos, o Rapinzá.
— Mas é claro que não devemos deixar de levar em conta a importância do Fluminense. Este mostrou-se à frente durante todo o campeonato e agora está aqui, com seu time rico do melhor futebol brasileiro. Tomás como goleiro, Willson e Gonzaga como zagueiros e Roberval na camisa 10. A tendência é uma disputa emocionante com inclinações para o Fluminense, é claro!

Após as apresentações, ficou claro que não seria apenas no futebol que a disputa aconteceria, mas também na narração. Roberto pegou o microfone em um ato de tentar monopolizá-lo e Luciano avançou, segurando o objeto de modo que o impedisse de roubá-lo.

Os dois trocaram olhares mortais e a partir daí, como homens civilizados, chegaram à conclusão de que teriam que chegar a uma espécie de acordo. Turnos de um minuto, foi essa a estratégia adotada para seguirem com os comentários.

— O Fluminense mostra-se incapaz de realizar um ataque efetivo! Roberval, a maior arma que o time possuía encontra-se em um estado de espírito não muito bom. Está errando o gol tantas vezes, que até agora não conseguimos nem sequer ver uma defesa do Rapinzá. O Flamengo, por outro lado, mostra-se mais ofensivo, com maior posse de bola.
— Mas é impossível não notar que o Flamengo é o time que mais comete faltas no jogo inteiro. O Fluminense está tentando jogar de forma limpa, coisa que o Flamengo não está conseguindo.

No entanto, após alguns turnos do tipo, chegaram à conclusão de que tal regra não daria certo. Então, acabaram por discutir às antigas mesmo, sem qualquer tipo de regra. Esqueceram-se, naquele momento, que estavam trabalhando, e não no bar da esquina discutindo futebol.

— O Flamengo joga limpo, isso é papo de perdedor!
— Perdedor?! Quem é que ganhou pela última vez, heim?! Foi o Fluminense, meu caro. Vocês perderam de 4 a 0, não se lembram?
— O foco agora não é no passado e sim no presente!

E para a surpresa de ambos, o gol saiu naquela hora. Foi gol do Flamengo, o time da Urubuzada, o time de Roberto.

— Eu te falei! Ele joga limpo, meu irmão! Sempre jogou.
— Joga limpo?! Olha o carrinho que esse cara acabou de dar! Merece é cartão.
— O juiz está fazendo um excelente trabalho, permita-me dizer!
— Excelente trabalho?! Ele é o maior ladrão, isso sim!

E continuaram a discussão, esquecendo-se de toda a regra da profissão de comentarista. Lá pelas tantas, os telefones todos do ambiente encontravam-se piscando, implorando para serem atendidos. Os dois, no entanto, nada percebiam. Era somente o futebol.

Acabou que no fim deu pênalti e o Fluminense levou a vitória. Foi bom pro Luciano, mas ruim pro Roberto. No final, acabou ficando ruim para ambos, devido à demissão.

Não entenderam bem o motivo de serem demitidos, mas no final das contas acabaram por ir pro barzinho da esquina para terminar de discutir sobre futebol.

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