11 de janeiro de 2010

Vício memorial

      As lembranças eram tão nítidas que sentia que estava vivendo-as novamente e não viciando-se no ato de relembrar coisas que já não existem mais. Conseguia lembrar-se até mesmo da essência do beijo perfeito, da maciez dos lábios e do prazer intenso que estes lhe proporcionara. Se alguém o visse naquele momento de recordação, provavelmente o chamaria de louco, já que o mesmo chegara a por seu dedo indicador sobre o lábio superior em uma tentativa de guardar ainda mais aquela lembrança que passara a se tornar acontecimento.
      Mas da mesma forma sem aviso que vieram as lembranças, esvaíram-se. A realidade lhe consumiu da forma contrária à que as lembranças haviam chegado. Viera de uma forma rápida, em um choque que não teve amortecedor algum. Já as memórias vieram de forma lenta, mostrando o momento em sua calma perfeita como havia sido.
      Lembranças leves, era isso o que eram. Leves, mas felizes, talvez as únicas de sua vida. Já a realidade? Não havia mais felicidade em sua vivência atual. Havia apenas o viver de cada dia, sem emoção alguma, apenas pura obrigação.
      E o mais irritante de tudo? Não era um amor perdido do qual se recordava. Bom, decerto um pouco. Mas ainda assim era diferente. Seu amor antigo continuava ali, vivendo sob o mesmo teto que ele. Mas não havia o que havia antes! Não havia, sei lá, aquela mágica que o fizera a pedir em casamento e fazer juras diante de Deus. Agora só havia o fardo e as memórias que tornavam-no ainda pior.
      Sim, eram boas enquanto duravam, mas quando a realidade o consumia não havia lembrança que compensasse aquele momento de culpa, arrependimento, dor... Nem sequer sabia se era o culpado daquela história toda, daquele fim que acabara sendo negado por ambos em um casamento que se tornara pura aparência. Mas sabia que havia errado em algo, por mais que não soubesse em que.
      Suspirou diante de tais dúvidas sabendo que todas eram de uma inutilidade absurda. Mal sabia o paradeiro que sua mulher se encontrava nos últimos dias. Não existia nem ao menos o diálogo entre ambos, era de uma morbidez que o alucinava e o matava por dentro.
      “Não sei o que é pior... O fim em si ou a aceitação do mesmo” pegou-se murmurando para si enquanto focava-se nas memórias dos dois últimos anos. Nenhuma feliz.
      “Mas confesso que não quero pensar nisso” Continuou o solilóquio enquanto servia-se de uma dose de vodka e deixava-se afundar no sofá de couro da sala muito bem decorada. A mesma sala que havia servido de cenas românticas dignas de filme, mas que agora só abrigavam a chave para as recordações das mesmas. Tais recordações mais pareciam uma mentira do que uma verdade, de tão longe da realidade que se encontravam.

2 comentários:

Anônimo disse...

você escreve muito bem, de verdade.

Bella Fowl disse...

Agradeço muito o elogio ^^

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