4 de novembro de 2009

Orwell

A sala estava mal iluminada e isso só reforçava ainda mais ao clima de tensão presente. A jovem digitava de forma urgente na velha máquina de escrever e não olhava para o rosto do soldado, apenas continuava a digitar, como se no fundo o evitasse.

Gosta das missões do exército do seu país?

A pergunta teve um certo ar de acusação, mas Joseph não ligou. Não se importava com mais nada. Sentia que tinha a obrigação de dar aquela entrevista como uma forma de explicar às tantas pessoas que matou o porquê de ter feito aquilo. Depois de terminar aquele pequeno serviço que havia imposto a ele mesmo se jogaria do primeiro precipício que encontrasse. A dor que provavelmente sentiria não se comparava à que estava sentindo naquele momento.

Não.

A resposta foi objetiva. Isso só fez a jovem ficar impaciente, lidar com aquele tipo de gente com certeza não estava dentro de sua experiência. Soldados eram irritantes para responder perguntas, só respondiam ao que perguntavam sem dar nenhum tipo de explicação a mais. O comportamento devia-se à rotina do trabalho, que transformava-os em verdadeiros robôs.

Por que não? — o tom impaciente da jornalista foi evidente.

Joseph deu um suspiro longo e colocou a cabeça entre as mãos na tentativa de se acalmar. Ele queria fazer isso, mas o patriotismo exagerado que apreendia em seu treinamento não deixava.

— Eu entrei no exército para proteger a minha nação das inimigas. Mas eu fiz isso? Não! Longe disso, tudo o que eu fiz foi atacar às fontes de interesse Orwell.

A jornalista pareceu finalmente se interessar pela entrevista. Começou a digitar furiosamente, sem que desta vez estivesse interessada em evitar ao soldado. Queria gravar o máximo de informação que pudesse para depois escrever uma boa matéria, coisa que já não acontecia muito em Orwell. O patriotismo exagerado não estava só no exército, mas também no país inteiro. Por ser uma democracia, a existência de jornais com vínculo popular como aquele era permitida, porém, estes nunca conseguiam vencer da imprensa dominante, que era controlada pelo atual presidente de Orwell.

— Diga mais — disse a jornalista enquanto terminava de digitar e voltava o olhar para o soldado de forma interessada.

— O que quer que eu diga? — Joseph perguntou sem desviar o olhar da mesa simples.

Que países atacou e qual era a justificativa de James Zeppelin?

Ataquei a França, Irlanda e por último Emtec.

— Emtec, o país mais subdesenvolvido do mundo e rico em petróleo? — a jornalista perguntou, tentando instigar a encontrar um motivo absurdo para o ataque.

O ataque à França e Irlanda com certeza não despertaria interesse algum, mas Emtec era um país diferente. Antes era forte por fazer parte de Avilan, porém, ao se separar despertou interesse imediato da parte de James e este utilizou a desculpa de o país estar se tornando comunista para atacar. Mentira, tudo não passava de uma mentira. Nem mesmo o povo de Orwell a engoliu, e olhe que era coisa difícil de se acontecer.

— Sim — confirmou Joseph — Todos os ataques de James tiveram o interesse em apenas deixar Orwell ainda mais forte. James oprime às outra nações sem se preocupar com nada e investe mais em armamento do que em setores sociais. 40% do PIB em drogas de armamentos! E olhe para a rua... Crianças passando fome para todos os lados... E ninguém enxerga isso, enxerga? Não, porque 10% do PIB é destinado a propaganda. Propaganda!

Por que resolveu fazer essa matéria, Joseph?

— Porque meus filhos e minha mulher morreram em um ataque pela censura de Orwell. A democracia que o país vive é uma mentira. Há polícia especial para todo o lado matando aos que consideram ser perigosos, e novamente ninguém enxerga isso. Aconselho a você não divulgar seu nome, caso não queira ser morta.

— Me lembrarei disso — a jornalista respondeu — Acho que é só... Posso te ligar caso queira saber de mais alguma coisa?

Receio que não vá me encontrar em casa — Joseph disse em tom seco.

A jornalista não pareceu perceber o certo mistério na voz de Joseph, apenas continuou a digitar o esboço da matéria sem se dar ao trabalho de se despedir de Joseph. O soldado não deu por falta da educação, levantou-se de forma silenciosa, saiu pela porta e se pôs a andar na direção do precipício mais alto. Ideais e família destruídos, o que mais ele tinha? Nada. E aquele nada era mais do que o suficiente para a explicação se seu suicídio. Não que se importasse em se explicar, claro. Afinal, quem ouviria?


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