20 de outubro de 2009

Serviço cobrado

Gabriel correu por toda a extensão do corredor no mesmo ritmo acelerado que havia tentado manter durante o percurso inteiro. Olhou para trás, tentando enxergar quem quer que fosse o perseguindo. Não viu ninguém, mas ele sabia que aquilo não significava muita coisa. Aquela mulher não parecia ser exatamente normal e sua fixação por ele era menos normal ainda.
__ Te achei.
Gabriel imediatamente parou de correr, assustando-se completamente quando escutou a voz. Olhou para os lados e para trás, mas não encontrou nada. A voz havia saído de perto dele, ele tinha certeza. No entanto, não havia ninguém ali.
Um riso espectral ecoou por todo o corredor. Uma espécie de riso de zombaria. Gabriel não se preocupou em interpretá-lo. Apenas continuou a procurar pela fonte da voz e quando não a encontrou correu pelo lado oposto. Tentando fugir.
__ Você não vai conseguir fugir...
Como se a voz quisesse provar que estava correta, uma corrente de ar percorreu por todo o corredor e atingiu Gabriel, fazendo-o cair no chão com uma força estrondosa. Sentiu um de seus ossos estalar, mas não se preocupou em checar para ver se alguma coisa havia sido quebrada. Não tinha tempo para esse tipo de capricho. Apenas levantou-se e continuou a correr, ignorando a dor na perna quase insuportável.
__ Menino persistente...
Foi como se tudo que acontecera durante o dia caísse sobre sua cabeça. Ele não agüentava mais correr. Havia corrido durante o dia inteiro e a mulher ou quem quer que o estivesse perseguindo-o parecia estar brincando com ele ou algo do gênero.
__ O que você quer? __ ele perguntou, deixando seu corpo cair no chão e colocando a cabeça entre as mãos __ Me deixa em paz.
Outro riso espectral.
__ Infelizmente não posso fazer isso.
__ Como não? __ ele perguntou __ O que eu fiz de errado?
Em resposta uma série de imagens começaram a surgir na cabeça de Gabriel. Ele tentou acompanhar todas, mas era extremamente difícil. A maior parte delas mostrava-o executando ações vergonhosas. Mas a que mais marcou... Foi a imagem de cinco anos antes. A imagem de quando ele realizou o pacto.
__ Você não é tão certinho quanto aparenta ser, não é? __ perguntou a voz.
Gabriel suspirou, completamente cansado. Já estava cansado de todos aqueles joguinhos que aquela mulher insistia em fazer.
__ Não sou mesmo! Algo contra? __ ele perguntou, friamente __ É o meu trabalho. Cada um tem o seu. O seu parece ser uma espécie de perseguição a seres que não lhe fizeram nada!
Desta vez a resposta não foi em forma de uma voz que ecoava por todo o corredor mal iluminado. Do nada uma mulher apareceu no lado de Gabriel e a mesma sentou-se na frente dele. Ela tinha uma beleza estrondosa. Seus cabelos negros caiam até muito depois do ombro, seus olhos eram vermelhos e sua face era branca, completamente pálida.
Gabriel não se preocupou em fugir. Sabia que teria que enfrentar o que quer que o estivesse perseguindo cedo ou tarde. Era melhor enfrentar agora, antes que suas forças se esgotassem.
__ Você gosta de poder, não é? __ ela perguntou. __ Você é bem forte e essa força se deve a serviços que você executa... Serviços para criaturas não exatamente mortais.
A compreensão imediatamente atingiu Gabriel. Ele estava tão acostumado a se comunicar com seres imortais que tinham a mesma aparência que ele, que se esquecia que as limitações daquelas pessoas eram quase nulas. Colocou a cabeça entre as mãos. Quando diabos aquilo ia acabar? Havia vendido sua alma quando tinha apenas dez anos e havia sido apenas uma brincadeira. Ele não agüentava mais aquilo.
__ Está longe de acabar __ ela respondeu seus pensamentos com a maior naturalidade __ Muito longe de acabar. O ser supremo do mundo inferir quer um serviço. E aqueles meus companheiros que normalmente pedem não estão qualificados para pedi-lo.
__ O que é? __ ele perguntou. Sabia que implorar misericórdia não iria adiantar. Aquilo não funcionava naquele mundo.
A mulher sorriu e disse o que ele tinha que fazer. Ele colocou a cabeça entre as mãos e chorou. Sem nem ao menos notar que a mulher havia desaparecido de sua frente. Aquilo nunca acabaria, não é?

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