Não sei se gosto de estradas. Varia
muito. Rodovias são bipolares. A gente ama ou odeia. Ponto. Nesse momento, por
exemplo, sinto uma raiva profunda. Olho para as linhas amarelas que dividem as
duas pistas e tenho vontade de rasgá-las, uma a uma. Mas sei que se eu fizer, o
caminho continuará lá, à deriva, e ainda terei que atravessá-lo. Não
importando a minha vontade. Dá até para sentir a indiferença do asfalto. A
maneira como ele está quente abaixo das rodas do carro. O barulho do motor parece
uma música provocante. Vontade de gritar e voltar.
As estradas guardam histórias.
Decepções, amores esquecidos, sorte, felicidade, raiva, inocência... Elas sabem
tudo. Veem tudo. E ainda assim conseguem continuar ali, quietas. Alimentando-se
da vida de outro. Não fazem nada. Só guiam o caminho que pode nos levar para o
que precisarmos. Às vezes não temos escolha.
Não quero sair de casa. Já enjoei de
brincar de adulto. Pode voltar o tempo, por favor. Estou dando meia volta no
retorno.
Dá para imaginar quantas pessoas
passam por aqui. Milhares? Varia de acordo com o dia. Está tudo quieto agora.
Sou iluminado pela luz do carro e de alguns postes. Vejo motéis vez ou outra na
beirada. Devem estar vazios. É segunda.
Recebi a notícia de uma morte. Tenho
que ir para o funeral. Vestir preto. Chorar. Mas não gosto de derramar
lágrimas. Elas nos dão a sensação de que o mundo pode acabar. Que não tem
volta. Que não há esperança. Sempre gostei muito da esperança. Mas hoje em dia não
podemos ter mais o luxo de sentir. Precisa pagar caro pela felicidade.
Contaram quase sete bilhões de
pessoas no planeta. A única que eu precisava foi embora. Depois disso, dá
vontade de sair matando outros. Para ver a dor daqueles dependentes das pobres
almas assassinadas. Encontrar conforto na desgraça alheia. Mas não sou
assassino. Não tenho esse espírito. Tenho medo de insetos.
Então vou dirigindo. Liguei o rádio
e estava fora do ar. Aí fiquei pensando. Mas pensar dói. Queria saber aquelas
técnicas de meditação. Deixar a mente em branco. Não consigo. Então dirijo.
Daqui a um tempo o caminho acaba. Tudo vai piorar. Porque nada é quieto como
uma estrada. Nada é tão reconfortante e ao mesmo tempo apavorante.
Rodovias são bipolares.
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