29 de junho de 2012

Infância

Um som alto de Metallica saía pelos dez furinhos, enquanto um pedaço de pele tentava abafar a denúncia. O dedo tocava e pressionava um celular que insistia em ser atendido. O visor da tela mostrava um nome temido e detestado. Duas ligações perdidas. Qual a desculpa? Silencioso de novo não. Fala que estava em reunião. Mas quantas você tem por semana? Banho? Banho é uma boa.

Alô? Ah, desculpa não ter visto antes. Eu estava meio ocupada... É, estava no banho. Aham, está tudo bem. Sabe como é, muito estudo... Não estou tendo tempo para nada. A saúde? Relaxa, óquei. Te encontro no Sábado. As notas estão ótimas — Cinco minutos falando, tchau e benção. Até o próximo telefonema. Vê se me esquece! Mas não vai. Foi-se o tempo de paz de uns sete dias. Agora liga todo dia. Deve ser culpa. Dizem que pai depois dos quarenta e cinco anos entra em crise. Percebe que cresce e não volta mais. Nunca trocou uma frauda? Perdeu a experiência. O primeiro namorado? Foi escondido. Ixe... Sei lá quando aconteceu. Mas aí ela tomou jeito, o garoto era estranho. Tinha moicano e tudo. Até um alargador, desses grandões, sabe? Um índio branco. Todo cheio de furo por aí. Aí veio o Carlos... Bom rapaz. Ficavam escondidos pelos cantos, até que a mãe viu os dois no flagra na cama. É, ela não é mais virgem. Não sabia?! Que choque! Toma pílula e tudo. Não é só pelo hormônio não, bebê. Ela não quer é ter um baby. Vai ficar bravo? Pode tirar a mão do cinto. Quer bater por quê? Foi há muito tempo. Castigo tem que ser dado na hora. Ainda mais você... O que tem o senhor? Pergunta isso?! Meu caro, acha que a sua pessoa faz a diferença? Pode abrir o bolso que ela logo sorri. Isso. Cem reais. Vai gastar tudo em bebida e em um lanche do mac donald’s. Deve comprar um maço de cigarro e um baseado também. Ah, esqueci... A maconha ela não compra, só pega dos outros um salvo. Mas o maço é certeza. Não vai dar o dinheiro? Então nem precisa ligar mais... Se quer o mínimo de respeito paga. Porque você sempre comprou a atenção. Aí quando se encontrarem, finge que não sabe de nada. Tudo funciona melhor no escondido. Você ensinou para ela isso. Bons relacionamentos são feitos com base na mentira. A pobrezinha descobriu que você traía a mãe dela quando tinha onze anos e que continuava tendo o mesmo hábito com a atual esposa. Aí veio a fase rebelde. Descobriu a bebida, o palavrão e o beijo na boca. Pegava tooooooooooooooodos. Uma putinha do ensino fundamental. Bebia muito também. Vodka, rapaz! Ia ficar orgulhoso de como ficou forte nos drinks. Hoje em dia demora a ficar bêbada. Mas dava um trabalho... Quase fez sexo em público com catorze anos. E ela que tinha a mão boba... O garoto falava “calma e calma”. Até que ela lembrou que estavam no meio de um show. Eita menina estranha. Está preocupadinho? Ah, que exemplo de pai! Quem te conhece que te compre. Vai, liga de novo. Aumenta a frequência. Vai ver assim compensa a falta. Uma hora extra deve pagar as nunca feitas. Tenta e tenta. Pode ter esperança. Ah, e só um aviso. Ela não vai ser médica, ok? Vai preferir as artes cênicas. Quer um pouco de água? Vai pegar. Lembra que você sempre pedia pra ela fazer um favor, porque papai estava cansado? Pois eu também estou exausta dessa história.


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