Para István Bacsa
Deitado,
a dor tentava me absorver por inteiro, levando-me todo para bem dentro dela,
sem poder sair. Começava no peito e ia, ia, ia... Eu tinha vontade de gritar.
Despir-me de mim mesmo. Retirar cada órgão, a pele, os braços, o coração e o
cérebro. Sem jeito de pensar ou sentir, tudo passaria. Eu seria nada e nada
sentiria. Nada, nada, nada... O vácuo sempre atraiu aos curiosos, mais ainda
aos perdidos. Nunca sabemos o que desejamos e perseguimos essa ignorância de
direção.
Mesmo por caixas, Renato Russo
tentava me consolar. Seus versos faziam todo o sentido e isso só piorava as
coisas ainda mais. Essa razão para a ausência de razão. “Nesses dias tão estranhos fica poeira se escondendo pelos cantos.”
A letra, em si, não me afetava. Era
o conjunto todo. A voz, o instrumental, as frases desconexas. Não prestava
atenção na linearidade da música. Pegava verbos, substantivos e adjetivos,
formando a minha própria ordem. A minha história. “Eu, homem feito, tive medo e não consegui dormir.”
As paredes vibravam, sentiam também a minha dor. “Mas tudo bem, tudo bem, tudo bem.” Não
estava nada bem. E eu chorava... “Lá vem,
lá vem, lá vem de novo.” Aquela história.
Escutei as batidas na porta. Ignorei
e sabia que a minha mãe iria entrar. Não demorou e logo vi o seu rosto moreno,
a pele delicada, a expressão preocupada. Limpei as gotas da face. Não disse
nada. Nem pensei. Estava muito confuso. A linguagem já não servia. Eu só queria
mesmo era voltar, quem sabe, para a minha infância. Quando a verdade não tinha
aparecido e eu amava aos dois de maneira incondicional. “Quem inventou o amor, me explica por favor.”
— Você sabe que isso não significa
nada, não é?
Palavras não traduzem sentimentos. “Vamos celebrar nossa tristeza.”
— Sei — menti — Não dá. Me deixa sozinho, por favor? —
mas eu precisava de alguém que dissesse tudo aquilo, toda aquela verdade que eu
fingia ser mentira, ou a mentira que parecia verdade, porque eu já não sabia de
mais nada, desentendido do próprio eu e da vontade, precisava nascer de novo,
viver a mesma história, desvendar a origem já não minha, entender e me
desentender daquilo tudo, ignorar o não ignorável, porque já era interno, já
era sabido, já era passado, e era um presente tão forte, que os ponteiros do
relógio pareciam se estender infinitamente, querendo congelar aquele instante
que eu tanto queria superar, fazendo-me pensar naquela figura forte de alguém
que já não era referência. Precisava do meu pai. Não do outro, mas o que me
ensinara a ser quem eu era. Eu estava fraco.
Deitei, abraçando o lençol branco e me ausentando da
ausência. Precisava embarcar em um sonho profundo e acordar depois, quem sabe,
de novo, e de novo, de modo a me acalmar, assim, por dentro, depois de cada
amanhã, cada nota musical, cada conselho de Renato. E eu sabia que meu sorriso
voltaria, assim como aquele tudo que de repente se transformara em um nada tão
profundo, responsável por me capturar, tanto, para um buraco escuro e fundo...
E eu sabia...
“É
só o vento lá fora.”
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